domingo, agosto 22, 2010

ICM 2010: A Matemática disciplinar e a Matemática Escolar


Um dos painéis que eu aguardava com mais curiosidade neste ICM 2010 era "Relation between the discipline and school mathematics", moderado pelo Medalha Fields inglês Timothy Gowers, autor de um delicioso livro dirigido ao grande público "Matemática - Uma breve introdução". Curiosamente, no seu blogue, ele escreveu que: "I am chairing a panel discussion called “Relation between the discipline and school mathematics” (I too wondered what on earth that meant when I was first invited)". Fiquei um pouco perplexo com tal afirmação mas isto aguçou ainda mais a minha curiosidade.

T. Gowers começou logo no ínicio do painel por afirmar o que entendia pelo tema em discussão:



Foi notável a sua moderação, pela sobriedade, delicadeza com os diferentes painelistas e com o público e a preocupação em corresponder ao que lhe foi pedido; e cada um cumpriu com o tempo que lhe foi destinado! Mas terminou o painel sem retirar uma conclusão do que foi dito, o que me pareceu uma pena. Claro que sintetizar seis intervenções e um debate não é fácil, mas eu acho que poderia ter dito algo como: De todas as intervenções ficamos com a ideia que efectivamente a Matemática Escolar, a Matemática que se ensina e se aprende no Ensino Básico e Secundário, tem características próprias que não são fáceis de descrever nem de analisar. Mas entre esssas características está um nível de compreensão dos conceitos matemáticos e do trabalho matemático que não pode de modo nenhum reduzir-se ao simples treino de rotinas e memorização de factos. A maior dificuldade está em saber qual o nível de tratamento dos conceitos matemáticos e do trabalho matemático (como a resolução de problemas) que deve ser usado no Ensino Básico e Secundário.

No painel, além do moderador, intervieram: I. Yashchenko, Moscow Centre for Continuous Mathematical Education, Russia; C. Bosch, Instituto Technologico Autonomo de Mexico, Mexico; W. McCallum, University of Arizona, USA; R. Ramanujam, Institute of Mathematical Sciences, Chennai, India; H. Steinbring, University of Duisburg-Essen, Germany.

Cada um apresentou as dificuldades que encontra no seu País e como está a trabalhar para melhorar o ensino da Matemática e a formação de professores a nível do Básico e Seundário. Ivan Yashchenko criticou a abordagem demasiado formalista e de manipulação algébrica do cálculo na Rússia dando como exemplo os alunos que sabem calcular algebricamente derivadas mais não são capazes de, a partir de um gráfico de uma função, dizer onde a derivada é positiva ou negativa. Defendeu a importância da entrada de novas áreas no curriculum do Secundário como a exemplificada no seguinte problema de matemática discreta:

O matemático mexicano Carlos Bosch, que já foi presidente da Sociedade Matemática Mexicana, defendeu que a resolução de problemas deve estar presente na aula de Matemática e não apenas as manipulações formais, dando exemplo de um problema que os próprios professores mexicanos têm dificuldade em trabalhar mas que deveria estar presente na sala de aula:

Depois explicou o programa de formação contínua de professores levado a cabo pela Academia Mexicana das Ciências e pela Sociedade Matemática Mexicana para melhorar a qualidade dos professores.
H. Steinbring, especialista em Didáctica da Matemática defendeu que a Matemática Escolar não pode ser entendida como uma preparação para uma carreira de matemático profissional mas que os conceitos matemáticos devem ter um significado para o aluno através de diferentes concretizações de estruturas, padrões e relações.
O matemático americano William McCallum mostrou como se deve escolher um pedaço de matemática para ser considerado matemática escolar. Escolheu a equação do 2º grau e partiu de um divertidíssimo mas muito sério episódio que ocorreu há pouco tempo em Inglaterra e levou a que tal tema fosse dicutido no parlamento:



T. Gowers foi o último do painel a intervir e apresentou vários exemplos da diferença de tratamento de factos matemáticos entre o secundário e o superior:

Por exemplo, considerou o facto: Prova que para todo o x > 0 podemos encontrar um inteiro positivo n tal 1/n > x.
Segundo T. Gowers a abordagem do ensino superior é:

E a abordagem do ensino secundário é:

Concluiu daqui que no secundário R é concreto através das expansões decimais e que no superior R é abstracto via um corpo ordenado completo.
Uma verdadeira pérola!

2 comentários:

Américo Tavares disse...

No seu blog, o Professor Timothy Gowers publicou hoje um post (ainda incompleto, segundo escreve), referindo-se ao painel a que assistiu.

Jaime Carvalho e Silva disse...

Obrigado pela chamada de atenção. É pena que ele não tenha continuado com o comentário, pois este é um tema que me interessa sobremaneira. De notar o modo como o painel (não) foi organizado. Mesmo a este alto nível encontramos demasiada improvisação... Acho que este painel não foi nada afectado atendendo ao alto nível dos convidados e à preparação cuidada que cada um fez individualmente. Mas isso infelizmente já não aconteceu com outros...